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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Solar Total (Lua Nova em Carneiro)

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Solar Total 

(Lua Nova em Carneiro)

Lisboa, 19h17min, 08/04/2024

 

Sol-Lua

Decanato: Sol  

Termos: Mercúrio   

Monomoiria: Saturno  

                                            

  O Eclipse Solar Total de 8 de Abril ocorre no signo de Carneiro, com Balança a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, com os luminares acima do horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de cinquenta minutos antes do ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Sol, termos de Mercúrio e na monomoiria do Saturno. O sentido de luz, da sombra e da ocultação ganha assim um valor reforçado. Este eclipse apresenta algumas semelhanças com o eclipse solar de 14 de Outubro de 2023, pois, tanto num como noutro, o eclipse dá-se junto ao Poente. No entanto, existe uma inversão do eixo, o eclipse que ocorrera em Balança, acontece agora em Carneiro e assim o signo que marcava a hora é agora o seu oposto. O eixo da identidade, entre a luz e a sombra, continua a estabelecer-se como sentido profundo. Porém, o foco, o centro da ocultação da luz, encontra-se agora no signo de Carneiro, o que transporta naturalmente para algumas das significações do ano novo astrológico.

  Em termos astro-mitológicos, existe uma tradição em torno dos doze trabalhos de Hércules. A influência da leitura esotérica de Alice Bailey determinou em grande parte a sua predominância contemporânea, todavia, a tradição antiga dos trabalhos, sobretudo a sua reunião no número de doze episódios é relativamente tardia. O mito do herói zodiacal mais antigo, e quiçá mais simbólico, é o de Jasão e os argonautas. A viagem do Argo é uma viagem solar e a sua natureza é circular, é um eterno retorno. Apolónio de Rodes, na Argonáutica, descreve-o como “Jasão, herói de Ares” (I, 349) e quando este foi escolhido para liderar a expedição, afirmou o seguinte: Se me confiais esta distinção de me ocupar de vós,/ nada impede, como dantes, a nossa viagem./ Agora consigamos o favor de Apolo com sacrifícios/ e preparemos já um festim.” (I, 351-4, Apolónio de Rodes: Argonáutica, Livros I e II, ed. A.A.Alves de Sousa. Coimbra, 2021: Imprensa da Universidade de Coimbra). O herói de Ares (Marte, domicílio) precisa do favor de Apolo (Sol, exaltação) e a finalidade da viagem é o velo ou tosão de ouro (Κρίος Χρυσόμαλλος), a pele do aríete ou carneiro imortal (Carneiro), filho de Posídon (Neptuno, regente moderno de Peixes). A significação astro-mitológica é bastante explícita. Jasão, bem mais do Hércules, combina elementos tanto de Carneiro como de Peixes. A passagem de Peixes de fim de ciclo para Carneiro que inicia o novo ciclo e que tem como finalidade um novo Peixes está presente neste mito (cf. Figueiredo, R. M. de, 2024, Fragmentos Astrológicos, 2ª ed. revista e aumentada, 137-8. Lisboa: Livros – Rodolfo Miguel de Figueiredo).

  Este sentido astro-mitológico é fundamental para se compreender o ciclo de eclipses, tanto anual como nodal, em que este se insere. A passagem do eixo zodiacal-nodal Carneiro-Balança para o eixo Peixes-Virgem torna-se, deste modo, um elemento de sentido mimético do mito de Jasão. No entanto, no que aos eclipses solares concerne, esta mudança ainda demorará algum tempo, pois depois deste eclipse, em Carneiro, seguir-se-á um em Balança (2 de Outubro de 2024) e outro Carneiro (29 de Março de 2025), e só a 21 de Setembro de 2025 é que ocorrerá o primeiro eclipse solar no eixo Peixes-Virgem, neste caso em Virgem. No entanto, de um ponto de vista mundano, este é um ciclo de passagem, sobretudo se considerarmos que a influência dos eclipses solares se mede em anos. A passagem do eixo de identidade para o eixo de integração, ou seja, da unidade e dualidade à parte e ao todo, expressa uma ponte de sentido entre a consciência de si e a necessidade.

  Proclo afirma, no seu Comentário à República de Platão, o seguinte: “O daemon distribuído é o guardião das vidas centradas nas obras do devir, e guia toda a nossa constituição interna no reino da geração. Os lotes significam, por sua vez, a ordem cósmica que determina para as almas os tipos de existência que cada uma merece, de acordo com o seu próprio mérito. Nesta estrutura, Láquesis é a regente, porque estabelece a ordem em todos os céus. Os tipos de existência são as formas de vida centradas nas obras da criação, que são atribuídas pelo universo às almas à medida que estas descendem, sendo estas vidas em maior ou menor número. As escolhas indicam as projecções do pensamento, de acordo com o poder das almas de se colocarem a si mesmas em movimento, agindo em harmonia com a ordem do universo. A transferência para diferentes animais, melhores e piores, significa os muitos e variados caminhos da alma segundo os diferentes poderes, racionais ou irracionais, pois o semelhante é sempre atraído pelo semelhante de acordo com a justiça do cosmos.(Essay 15 94.25-95.10. Proclus: Commentary on Plato Republic, vol. II: Essays 7-15, ed. D. Baltzly, J. F. Finamore & G. Miles, p. 330.  Cambridge, 2022: Cambridge University Press).

  O significado astrológico do lote distribuído e do seu guardião é imenso, transcende o sentido de certos lugares (XI e XII), bem como o valor da doutrina dos lotes, pois está enraizado na matriz filosófica da astrologia antiga e subentendido em muitos conceitos da astrologia contemporânea. Ora o lote distribuído – ou escolhido – e o guardião são o momento inaugural do princípio de identidade que rege o início da viagem, existencial e zodiacal. Carneiro, com um sentido profundo de unidade, conduz a embarcação da vida e da alma, tal como Jasão no Argo, num caminho entre a luz e a sombra, numa viagem que culminará na integração da totalidade (Peixes), ou seja, na compreensão profunda do valor do lote e do seu guardião. Num eclipse no signo de Carneiro, existe necessariamente uma expressão deste acto primeiro de avançar entre a luz e a sombra, de encontrar uma via electiva.

  Por todas estas razões, o eclipse de 8 de Abril terá uma influência abrangente, todavia, em sentido restrito, a influência astrológica fixar-se-á em cerca de um ano e dois meses. Porém, se considerarmos a declinação dos luminares, a sua influência será de cerca de sete anos, incluindo-se assim num contexto de ciclo nodal mais amplo. A questão da influência dos eclipses tem sido um pouco descurada. Em termos mundanos, o eclipse, isto é, a ocultação da luz, tem um valor profundo e antiquíssimo. Desde a Antiga Babilónia, desde os presságios astrológicos, que começaram a ser compilados em 1800 AEC, mas que podem remontar ao século VIII AEC (Enūma Anu Enlil), que os eclipses são fortes indicadores das transformações colectivas. E não é por acaso, visto que a luz e a sombra e, em especial, um fenómeno de ocultação da luz, possuem uma influência radical. Todas as outras influências astrológicas dependem ou deveriam depender deste binómio (luz e sombra) e, desta forma, dos luminares (Sol e Lua). Já a influência genetlíaca é tradicionalmente mais restrita e, por norma, cinge-se ao grau do eclipse.

  O eclipse solar total de 8 de Abril tem o seu centro geográfico na região de Durango, no México, incidindo o manto penumbral sobre a América Central e a América do Norte. Nas regências geográficas antigas, o Sol e a Lua em Carneiro regem, segundo Manílio, o Helesponto (Estreito de Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o Egipto (Astronomica, IV, 744-817). Já Vétio Valente (Antologia I, 2) diz-nos que o signo exerce influência sobre as seguintes regiões: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana, hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e o Oceano Índico. Heféstion de Tebas transmite-nos que Carneiro tem as seguintes regências geográficas: “Segundo Ptolomeu: a Britânia, a Galácia, a Germânia, a Palestina, Edom e a Judeia. Mas, tal como Hiparco, os antigos egípcios também fizeram de acordo com as partes: para o ombro esquerdo, a Babilónia; para o ombro direito, a Trácia; para o peito, a Arménia; para a coluna, tanto o vale da Pérsia como o da Capadócia, a Mesopotâmia, a Síria, o Mar Vermelho. Fizemos uma exposição separada de cada uma das partes, porque é assim que comummente utilizado nos prognósticos desses lugares.” (Apotelesmática I, 1).

  O eclipse actual, no signo de Carneiro, pertence à série Saros 139, sendo o seu 30º eclipse. Esta série começou a 17 de Maio de 1501 (calendário juliano), com um eclipse no signo de Gémeos, e terminará a 3 de Julho de 2763, com um eclipse no signo de Caranguejo. É portanto uma série recente e com uma matriz de sentido que nos conduz da dualidade da palavra e do conhecimento à matriz do feminino e ao reconhecimento da origem da alma. Depois da sombra, a luz da Grande Mãe emergirá do oceano primordial. No entanto, no que à série concerne, ainda nem chegámos a meio do caminho e, neste eclipse masculinizado, assente apenas num dos númenes do par divino, a sombra permanecerá sobre a Terra-Mãe. No tema matriz da série, o Sol, a Lua, Mercúrio e Saturno estavam em Gémeos, Vénus e a Caput em Touro, Júpiter em Carneiro, Marte e Úrano em Peixes, Neptuno em Capricórnio e Plutão e Cauda em Escorpião.

  Aquando deste eclipse, com os maléficos em quadratura, colocando os luminares e Mercúrio sob a sua influência, é fácil compreender como 1501 foi um ano de conflitos e guerras e de redefinições geoestratégicas. Neste ano, César Bórgia, filho do Papa Alexandre VI, será uma figura determinante. De cardeal a gonfaloneiro papal, terá um papel importante para assegurar o poder do papa e os interesses franceses, seus aliados. A 25 de Julho de 1501, o rei Frederico I rende-se a César Bórgia e ao rei francês Luís XII, entregando-lhes assim o Reino de Nápoles. A 13 de Maio, a República de Veneza assinou um tratado com o Papa Alexandre VI e com o Reino da Hungria pela protecção da Dalmácia veneziana na guerra com os Otomanos. Por outro lado, em Espanha, termina a rebelião muçulmana de Alpujarras, assegurando-se assim a controlo espanhol de Granada. Paralelamente a todos os acontecimentos bélicos, Pedro Álvares Cabral regressa a Portugal da sua expedição, iniciando-se a hegemonia portuguesa na Índia e no Brasil (Neptuno culminando em Capricórnio). 

  No eclipse de dia 8 de Abril, assistimos, à semelhança do que ocorrera no eclipse lunar de 25 de Março, a uma co-presença planetária em apenas quatro signos zodiacais. No entanto, existem algumas diferenças. A Lua que estava em Balança está agora em Carneiro, como o Sol, e Vénus deixou a sua exaltação, em Peixes, e entrou no domicílio de Marte, Carneiro. Estas duas mudanças são significativas, sobretudo porque sobrevalorizam o masculino em detrimento do feminino. A Lua deixa o domicílio de Vénus para entrar no Marte e Vénus também, deixando a sua exaltação. Este é um lugar difícil para os planetas femininos. É uma posição que está negativamente exacerbada se se pensar que está agora sob a influência de um eclipse. O lugar de exaltação do Sol (Carneiro) tem, neste momento, a sua luz ocultada. Um manto de sombra tolda o entendimento do Sol, o carácter espiritualmente transformador da sua luz. 

  No lugar do Poente, temos assim Vénus, em posição pós-poente, logo abaixo do horizonte e como Estrela da Manhã, a Caput Draconis, a Lua, o Sol e Mercúrio, este sob os raios solares eclipsados e como Estrela da Tarde. Se, por um lado, Vénus é uma promessa do amanhã, escondida sob o horizonte, por outro, Mercúrio é a palavra que arde na sombra, o conhecimento obscurecido. A posição de Vénus, ligeiramente abaixo do horizonte, marca um caminho descendente da luz. Não existem astros nem a ascender, nem a culminar. Vénus é como Perséfone a entrar no submundo, para se unir a Hades (Plutão) que avança para o lugar mais profundo, para o Tártaro. O amor e a morte ocultam-se sob o véu da realidade mais profunda, da verdadeira natureza das coisas. O sextil de Plutão em Aquário aos astros em Carneiro aponta para este sentido, para o aprofundamento destruturado das nossas acções.

  Com a Lua e Vénus em Carneiro, o feminino entra no lugar de exaltação do Sol, um lugar onde a luz está agora ocultada, subtraída à realidade humana pessoal e colectiva. Ao deixar para trás o signo de Peixes, Vénus deixou desequilibrado o poder dos maléficos, ou seja, já não é um travão para a expansão dos seus raios. A dádiva do amor perde o sentido de totalidade. Devemos ter também em consideração que existe uma relação tensa com a posição dos maléficos no tema matriz da série Saros: Marte está em conjunção e Saturno em quadratura. Esta ligação mostra-se como o espelho do mal, o olhar devolvido do abismo humano. Outro aspecto a salientar é que a conjunção exacta dos maléficos ocorrerá dois dias depois do actual eclipse, no grau 15 de Peixes. Contudo, a fé e a esperança continuam no horizonte, pois este grau pertence ao decanato e aos termos de Júpiter.

  Esta posição, a par da de Plutão em Aquário, olhando quadrangularmente para Júpiter e Úrano em Touro, revela uma total corrupção do sentido primordial de humanidade e do valor do humano. O conflito entre Israel e o Hamas e o genocídio do povo palestino evidencia esta disrupção. As tensões começam com a quadratura de Marte em Balança com Plutão em Capricórnio, adensam-se com a entrada de Plutão em Aquário, a 21 de Janeiro, e, por fim, culminam com a conjunção dos maléficos em Peixes. O fim da humanidade é a extinção do humano. A pergunta que se coloca é o que faz com que o mal (Marte e Saturno em Peixes) não se torne total e não se espalhe como uma praga, e a resposta, de acordo com o lugar que esse ocupa, só pode uma, a união pelo amor, pela compaixão (Neptuno em Peixes), da Fé à Sabedoria (Pistis-Sophia).

  O sextil de Marte, Saturno e Neptuno em Peixes a Júpiter e Úrano em Touro concede à liberdade, à afinidade electiva, a transformação do mal em bem, exigindo um esforço real de reestruturação. A via da justiça, da justa medida, é uma parte da dádiva, das bênçãos que a humanidade pode colher. Júpiter concede a bênção da luz do bem. Porém, uma vez que o eclipse ocorre no segmento diurno, fazendo de Júpiter o grande benéfico, essa bênção encontra-se obscurecida, existe, mas não é vista. Este obscurecimento do bem é observável em outros dois elementos de análise. No tema de Lisboa, Júpiter e Úrano estão na VIII, no lugar da morte, ou seja, num lugar inactivo, sem vida, e, por outro lado, olham quadrangularmente para Plutão, o senhor da morte. Esta ligação da morte ao bem, à revolução do bem, coloca a humanidade sobre o abismo.

  O eclipse solar de dia 8 de Abril, no signo de Carneiro, resume, desta forma, um momento da humanidade e da sua história em que a acção humana se encontra obscurecida, incapaz de se fixar na luz ausente, mas esperada. A acção precisa de finalidade. O acto inaugural em Carneiro precisa de saber que a finalidade da viagem é o tesouro da totalidade que se encontra Peixes. No entanto, nos tempos que vivemos, o humano é como um Jasão sem o Argo e sem companheiros de viagem, sem o conhecimento do tosão de ouro. O humano precisa de reencontrar a humanidade e seguir a luz.    

segunda-feira, 25 de março de 2024

Reflexões Astrológicas 2024: Eclipse Lunar Apulso (Lua Cheia Balança-Carneiro)

Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Apulso 

(Lua Cheia: Balança-Carneiro)

Lisboa, 07h13min, 25/03/2024

 

Lua

Decanato: Lua

Termos: Saturno

Monomoiria: Marte    

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Júpiter

Monomoiria: Saturno  

 

  O Eclipse Lunar Apulso de dia 25 de Março ocorre com a Lua no signo de Balança e o Sol no de Carneiro, com Carneiro a marcar a hora e cerca de quarenta e cinco minutos após o nascer-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, estando este acima do horizonte, na I, no Leme do tema (οἴαξ), já a Lua está abaixo do horizonte, na VII, no lugar do Poente (δύσις). A Lua encontra-se no seu decanato, nos termos de Saturno e monomoiria de Marte, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Marte, nos termos de Júpiter e monomoiria de Saturno. Após a aurora, com a noite terminada, o eclipse colocará a sua sombra sobre o eixo do horizonte e, a partir da Ascensão, trará consigo a mensagem do Dragão da Lua, aquela que une a necessidade e o destino.

  Um eclipse lunar apulso ou penumbral acontece quando a Lua passa só pela penumbra terreste, ou seja, pela parte menos escura da sombra da Terra. Neste tipo de eclipse, o obscurecimento da Lua é subtil e difuso, tornando a sua observação mais difícil. De um ponto de vista simbólico, a Terra não esconde a Lua, leva-a sob o véu. Não é Deméter pesarosa à procura de Perséfone, oculta sob a Terra com Hades, é sim Deméter, passeando, na Primavera e Verão, com Cora (Koré), protegida sob o manto materno. Um eclipse lunar expressa, também por esta razão, algumas das matizes de luz e sombra do feminino, mostrando a ponte de sentido que existe entre o mito e a realidade. No entanto, o eclipse actual não favorece o feminino, pois a Lua, no tema de Lisboa, afunda-se no Poente, num signo masculino e nos termos de Saturno.

  A luz e a sombra, guardados pelo corpo do dragão primevo, revelam a forma como a providência gere a parte e o todo, como concede cada porção de luz e sombra, sem perder nunca a visão do todo, o olhar da montanha. Proclo, nos Elementos de Teologia, diz-nos o seguinte: “Todo o todo-na-parte é uma parte de um todo-de-partes. Porque se é uma parte, é uma parte de algum todo; e este deve ser ou o todo que contém, em virtude do qual é chamado de todo-na-parte, ou então algum outro todo. Mas, na suposição anterior, será uma parte de si mesmo, e a parte será igual ao todo, e os dois idênticos. E se for uma parte de outro todo, ou é a única parte, e se assim for será novamente indistinguível do todo, sendo a única parte de uma unidade pura; ou então, uma vez que as partes de qualquer todo são pelo menos duas, este todo incluirá um outro elemento e, sendo composto por uma pluralidade de partes, será um todo das partes que o compõem. Por conseguinte, o todo-na-parte é uma parte de um todo-ou-partes.(Prop.68, The Elements of Theology, ed. E.R. Doods, p.65. Oxford, 1971: Clarendon Press).

  Ora se ultrapassarmos sem preconceito a linguagem filosófica, julgando que é erudição aquilo que apenas traduz a realidade, compreendemos uma porção daquela que é relação entre a parte e o todo. Esta relação é transcrita pelo eixo Peixes-Virgem, aquele será a próxima viagem do ciclo nodal. No entanto, o actual ciclo de eclipses ocorre no eixo Carneiro-Balança, ou seja, no eixo da identidade, aquele que une a unidade e a dualidade e que estabelece a travessia da ponte da alteridade. A significação destes dois eixos é fundamental para a compreensão, para a consciência íntima, da luz e da sombra sobre estes binómios. A providência colocará a necessidade (Caput) e o destino (Cauda) sobre estes conceitos e sobre a forma como integramos o seu sentido profundo. O eclipse de dia 25 de Março marca, neste ano de 2024, o início da continuação dessa viagem. O desafio será passar, neste e nos próximos anos, da identidade (Carneiro-Balança) à integração (Peixes-Virgem). 

  Seguindo a ideia desenvolvida por Proclo, será necessário compreender-se como a parte que nos coube participa do todo e de que tipo é esse todo, o que é, de facto, uma integração da identidade na totalidade. Porém, essa integração ocorre primeiro como revelação da consciência de si e depois como desagregação dessa mesma consciência na consciência do todo, ou seja, seguindo a inspiração estóica, a alma individual compreende que participa da Alma do Mundo. Quando um eclipse se firma sobre o horizonte, dando luz à sombra e sombra à luz, confirmando as suas naturezas, esse processo de integração toma a forma de desafio ou enigma. Se excluirmos Júpiter, Úrano e Plutão, todos os outros planetas estão presentes em signos dos eixos indicados. Na verdade, em Peixes, existe uma forte co-presença planetária (ou Stellium como hoje se diria). Neste signo, aquando do eclipse, estão Marte, Saturno, Vénus e Neptuno, os maléficos e os planetas da dádiva do amor (Vénus exaltada e Neptuno no signo por si regido).

  Face ao exposto, a influência do actual eclipse terá de conciliar a sua presença nos ciclos nodais com a extensão temporal da sua acção concreta. A questão da influência dos eclipses deve considerar sempre uma metodologia plural, uma que se fixe para além das horas equatoriais descritas por Ptolomeu. A leitura das declinações do Sol e da Lua colocariam uma influência restrita de um a dois meses, já a duração penumbral fixaria uma influência mais ténue, de quase cinco meses. Um outro critério que também firma a sua influência é a série Saros em que se insere. A série Saros 113 é uma série antiga que começou a 29 de Abril de 888 e que vai terminar a 10 de Junho de 2150. Este é o 64º eclipse de um total de 71 eclipses, o que confere uma certa maturidade à mensagem proposta pela série.

  A série Saros 113 é inaugurada por um eclipse em que o Dragão da Lua se estende pelo mesmo eixo que o actual, todavia, o eixo luminar encontrava-se no eixo Touro-Escorpião, ou seja, no eixo do ciclo nodal anterior ao que estamos a viver. Este factor, para a questão da influência, corrobora o sentido de uma influência abrangente, escrita num ciclo astrológico mundano mais amplo. O tema do primeiro eclipse de uma série Saros serve de matriz para toda a série e, seguindo este modelo interpretativo, existe uma proximidade do sentido astrológico inicial com o actual.

  No eclipse de 29 de Abril de 888, a Lua e Úrano estavam no signo que marca a hora, Escorpião, e no signo oposto, Touro, estavam o Sol, Mercúrio e Plutão. Em Carneiro, estava a Caput Draconis, Marte e Neptuno. Júpiter estava em Caranguejo e Saturno, culminando, em Leão. Curiosamente, Vénus era o único planeta que se encontrava cadente, o mesmo que hoje está exacerbado, mas também cadente. Porém, em 888, estava no lugar da Deusa (III) e hoje está na XII, no Mau Destino (ou Espírito). Existe pois uma potência por cumprir. Ora, aquando deste eclipse-matriz, ocorrem três mortes que conduzem a mudanças em três reinos diferentes. Morre o imperador carolíngio Carlos III, levando a mais uma cisão no Reino dos Francos. Morre Al-Mundhir, emir de Córdoba, sendo sucedido pelo irmão Abdullah ibn Muhammad al-Umawi. Ora Emirado de Córdoba vai anteceder o Califado de Córdoba que tanta importância terá na história política e cultural da época. Por fim, morre o imperador Xi Zong que também será sucedido pelo irmão, neste caso, Zhao Zong, e que dará continuidade à dinastia Tang.

  No mesmo ano, o rei Alfredo, o Grande, funda a Abadia de Shaftesbury, mas é sobretudo pelas efemérides militares que o período deste eclipse é lembrado. O conde de Vannes, Alan I, e o seu rival, Judicael, unem forças para derrotar os Vikings em Questembert. Dá-se também a Batalha de Milazo, em que os aglábidas esmagam a armada bizantina ao largo da Sicília. Deve-se salientar igualmente as expedições militares do rei Arnulfo da Caríntia na região dos Alpes e do norte de Itália, confirmando o seu poder na sucessão de Carlos III. Todos estes acontecimentos fundam um período de transformações e que, num curto período, vão provocar várias mudanças. O trígono entre os maléficos potenciou muitos destes momentos (Marte em Carneiro e Saturno em Leão).

  A influência espacial do eclipse de 25 de Março coloca o centro da sombra no mar, no Oceano Pacífico, perto do Equador, entre Puerto Ayora (Ilha de Santa Cruz, Equador) e as ilhas Marquesas, da Polinésia Francesa, estas um pouco mais a sul. À semelhança dos últimos eclipses e do próximo, o eclipse será visível em grande parte do continente americano. Já o manto penumbral será visível na ascensão da Lua nas zonas orientais da Europa e de África e, no seu declínio, no extremo ocidental da Ásia e da Oceania. Já nas regências geográficas antigas, e de uma forma menos intensa, o Sol em Carneiro, segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), rege as seguintes regiões: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana, hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e o Oceano Índico. Para Manílio, rege Helesponto (Estreito de Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o Egipto (Astronomica, IV, 744-817). 

  De uma forma mais intensa, a Lua em Balança, também segundo Valente (Antologia I, 2), vai ter influência sob a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por região que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança, referindo, por um lado, que Roma controla as mais variadas coisas, exaltando e precipitando as nações nos pratos da balança, por outro lado, este é signo do imperador, de Augusto que terá nascido a 23 de Setembro de 63 AEC (Astronomica IV,773-77).

  O tema do eclipse de dia 25 de Março tem, como já observarmos uma grande concentração planetária nos eixos anunciados. Dos doze signos, apenas cinco tem a presença de planetas. Em Carneiro, temos o Sol, Mercúrio (e a Caput Draconis), já em Balança está a Lua (e a Cauda Draconis). Neste eixo de identidade, entre a unidade e a dualidade, a luz da acção e da palavra e a mediação criativa encontram-se obscurecidas, pendem sobre o horizonte como as escalas desequilibradas de uma balança. A sombra do eclipse vai trazer um obscurecimento ao sentido de identidade, à consciência daquilo que se é, tanto pessoal como colectivamente. De uma perspectiva política, o enraizamento dos valores democráticos encontra-se assombrado. A penumbra de um individualismo narcísico, incapaz de integrar as ideias de solidariedade e de Estado Social, corrompe a ponte democrática entre a igualdade e a liberdade. A Lua em Balança, num eclipse lunar, acentua o desequilíbrio de valores. Em Portugal, a cada dia que passa, o valor da Revolução de Abril perde-se na espuma dos dias, no desligamento da realidade.

  Mercúrio em Carneiro, como Estrela da Tarde, abaixo do horizonte, revela uma palavra que não faz, que tenta, mas não cria, que não promove uma verdadeira práxis. Tudo se perde na desinformação, na ignorância, na liquidez dos tempos. O sextil de Plutão em Aquário ao Sol, a Mercúrio e à Caput em Carneiro e o trígono à Lua e à Cauda em Balança, ambos em separação, trazem o sentido profundo da morte ao humano e à humanidade, potenciando o elemento de transformação anteriormente descrito. Existe uma desintegração de valores colectivos. Aquando da ascensão do nazismo, Saturno estava em Aquário e Úrano em Carneiro. De uma outra forma, quando Saturno e Neptuno passarem para Carneiro vamos encontrar elementos concordantes, diferentes, mas comuns. De uma outra forma, na Marcha sobre Roma, que marca a ascensão do fascismo italiano, Saturno estava em Balança e Marte em Capricórnio. Existe muitos pontos de ligação com a actual ascensão da extrema-direita.

  Júpiter e Úrano em Touro em quadratura a Plutão em Aquário e em sextil a Marte, Saturno, Vénus e Neptuno em Peixes servem de base conceptual e de estrutura de sentido para o tema do eclipse lunar. Nesta configuração astrológica, a par da que se estende no eixo Carneiro-Balança, repousa a mensagem de luz e sombra que a providência nos concede. Evágrio do Ponto, um monge-asceta e teólogo do século IV EC, afirma o seguinte: “O conhecimento espiritual é ‘as asas’ da mente; o gnóstico é a mente das asas. E se isto é assim, então as coisas carregam o signo das ‘árvores’: (elas são) aquelas coisas em que a mente se empoleira, desfrutando das suas folhas e deleitando-se com os seus frutos, enquanto almeja, a cada momento, a ‘árvore da vida’.(Kephalaia gnóstica 3.56 S2 in Evagrius of Pontus: The Gnostic Trilogy, ed. R. Darling Young, J. Kalvesmaki, C. Stewart, C. Stang & L. Dysinger, 284. Oxford, 2024: Oxford University Press). A humanidade precisa de asas, de voar pelo céu da gnose até à sabedoria. No entanto, a configuração astrológica mostra o contrário ou, no mínimo, as dificuldades de possuir essas asas e voar.

  Existe um elemento de sentido, e que já abordamos no tema do Ano Novo Astrológico, que pode ser designado como a estranheza do bem ou a negação da dádiva. A conjunção dos maléficos (Marte e Saturno) em Peixes traz a experiência do mal à vontade de totalidade. Porém, esta experiência do mal, como tal como o eclipse sugere no eixo luminar, nodal e de ascensão, é colocada numa balança, onde de um lado está a própria experiência do mal e do outro está a dádiva do amor. A união de Vénus e de Neptuno em Peixes, ou seja, o lugar de exaltação e de domicílio moderno, potencia exacerbadamente esta bênção. Contudo, esta dádiva perder-se-á até ao momento do eclipse solar e, nesse momento, a conjunção dos maléficos forçará o seu peso nas escalas da balança.

  Seguindo a citação de Evágrio do Ponto, Júpiter e Úrano em Touro são hoje, no voo da gnose, as árvores do conhecimento espiritual. Nesta posição e também pelos aspectos que se forma, nomeadamente o sextil aos planetas no signo de Peixes. A relação destes dois posicionamentos conjuga dois elementos, pois temos tanto o factor de estruturação ou reestruturação da realidade como a liberdade ou o livre-arbítrio sobre a experiência do mal e a dádiva do amor. No caso do tema de Lisboa, podemos observar como os regentes do eixo luminar recaem ambos na XII, no lugar do Mau Destino (κακός δαίμων), revelando a degradação da mediação, do elemento de passagem, entre o humano e a providência.

  O Eclipse Lunar Apulso de dia 25 de Março é o primeiro momento alto do Dragão da Lua em 2024 e é a primeira grande luta entre a luz e a sombra. No actual ciclo, é também o penúltimo eclipse lunar no eixo nodal Carneiro-Balança, o último em que o Dragão da Lua e os luminares estão neste eixo. Por isso, a questão da luz e da sombra sobre o eixo da identidade, sobre a unidade e a dualidade, tornar-se-á mais revelante, bem como o peso da sua mensagem durante o período de influência. Como em todo o eclipse, será necessário enfrentar a sombra e seguir a luz. 

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Eclipse Lunar Parcial (Lua Cheia Touro-Escorpião)

  Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Lunar Parcial 

(Lua Cheia: Escorpião-Touro)

Lisboa, 21h14min, 28/10/2023

 

Lua

Decanato: Mercúrio

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte   

 

Sol

Decanato: Marte

Termos: Marte

Monomoiria: Saturno

 

  O Eclipse Lunar Parcial de dia 28 de Outubro ocorre com a Lua no signo de Touro e o Sol no de Escorpião, com Gémeos a marcar a hora e menos de três horas após o pôr-do-sol (hora de Lisboa), logo no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, estando esta acima do horizonte, na XII, no lugar do Mau Espírito ou do Mau Destino (κάκον δαίμων), já o Sol está abaixo do horizonte, na VI, no lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη). A Lua encontra-se no decanato de Mercúrio, nos termos de Vénus e monomoiria de Marte, enquanto o Sol encontra-se no decanato de Marte, nos termos de Marte e monomoiria de Saturno. Após o crepúsculo, caída a noite, o eclipse colocará a sua sombra sobre o horizonte e, a partir da Pós-Ascensão, trará consigo o peso do destino.

  Acerca do eixo de lugares (XII-VI) onde este plenilúnio obscurecido se estende, Manílio diz o seguinte: “a porta do trabalho serão: por uma se sobe e pela outra se desce” (Astronomica II, 870: porta laboriis erit: scandendum est atque cadendum). O conceito fundamental que se extrai deste verso é o de labor, de trabalho, que tem aqui o sentido de dificuldade, de esforço, de pena, mas também, inevitavelmente, de desafio. Lembremo-nos, por exemplo, dos trabalhos de Hércules. Ora Virgílio, na Eneida, refere os eclipses solares como labores solis, os trabalhos ou labores do sol (I, 742). Esta é uma ideia preciosa, pois diz-nos que a sombra coloca a luz, seja ela directa (Sol) ou reflectida (Lua), sobre esforço. Desta forma, se o eixo do eclipse lunar cair sobre o eixo da VI-XII este sentido sai reforçado, sobretudo se se conjuga com o sentido negativo ou obscurecido dos conceito de τύχη e δαίμων. A fortuna e o destino são colocados assim, não perante a dualidade dos acontecimentos, mas sob a potencialidade da acção humana e o modo como esta apreende os acontecimentos. Para ascender ou descender, como diz Manílio, a luz terá de passar por esse pórtico penoso onde o seu espectro se sujeita à dificuldade e ao esforço. Os eclipses, face ao estender da sombra a partir da própria luz, são necessariamente tempos de angústia e agrura.

  Nas Meditações, Marco Aurélio diz-nos seguinte: “Abandona-te de boa mente a Cloto; deixa-a tecer a tua vida com os acontecimentos que lhe aprouver.” (IV, 34, trad. J. Maia. Lisboa: Relógio D’Água, 1995). No que aos acontecimentos concerne, a acção humana é determinada pela aceitação do fio das Meras, do destino, todavia, existe liberdade na forma como acolhemos, ou não, a luz e a sombra. O imperador romano continua, afirmando: “Considera de contínuo que o mundo é como um ser único, contendo uma substância única e uma única alma; e que tudo vai desaguar à mesma e única percepção que é a sua; ele tudo realiza por força do mesmo impulso; todas as coisas ao mesmo tempo concorrem para causar o que acontece e que trama cerrada e complicada é o que elas produzem” (IV, 40). Esta causalidade não só é natural como é provida de sentido, de finalidade, contudo, a sua interiorização exige esforço. Para tudo e para cada um, existe um trabalho que lhe é devido. As portas do trabalho são portanto os desafios desta causalidade.  

  As raízes desta ideia atravessam, na Antiguidade, o pensamento filosófico e a astrologia. Já Platão, no Timeu, afirmava que Com efeito, o deus, ao fazer girar em torno do eixo todos os círculos dos astros, como uma espiral, fazia parecer que o movimento era duplo e em sentidos opostos e que o que se afastava mais lentamente do que era mais rápido era o que estava mais perto. Para que houvesse uma medida evidente para a lentidão e para a rapidez com que se cumprissem as oito órbitas, o deus instalou uma luz na segunda órbita a contar da Terra, a que agora chamamos Sol, de modo a que o céu brilhasse ainda mais para todos e que os seres-vivos aos quais isso dissesse respeito participassem do número de modo a ficarem a conhecer a órbita do Mesmo e do Semelhante. Deste modo e por estas razões foram gerados a noite e o dia – o percurso circular uniforme e regular.” (39A-B, Timeu – Crítias, trad. R. Lopes. Coimbra, 2011: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos). Existe tanto uma diversidade nesta unidade como uma harmonia de opostos que conduz a essa unicidade. Ora é neste ponto que um eclipse e, em especial, um eclipse lunar se torna particularmente significativo.

  A harmonia dos opostos funda-se, numa perspectiva divina, na união da Mãe Divina ao Pai Divino, ou seja, por amor o mundo se criou e por separação assim permaneceu, daí que Tábua de Esmeralda diga que Todas as coisas provêem de uma, por mediação de uma única, assim todas as coisas nasceram desta única realidade por um único processo de adaptação. O seu pai é o Sol; a sua mãe é a Lua.(TH 30, in Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English Translation with Notes and Introduction., ed. M. D. Litwa, 2018: 315.  Cambridge: Cambridge University Press. A tradução é da minha responsabilidade). Na astrologia, o Sol é o Pai Divino e a Lua a Mãe Divina, são Osíris/Serápis e Ísis. Os antigos astrólogos conservaram sempre esta matriz de sentido. Os eclipses são a sombra que estende junto ao casal. Essa sombra é Set que, embora seja um inimigo, não deixa de ser seu irmão.

  Existe uma afinidade natural entre a luz e a sombra. Ora, para a significação do actual eclipse lunar, esta harmonia dos opostos vai para além do Sol e da Lua, pois a regência domiciliar dos signos do eixo luminar e do Dragão da Lua alimentam esta dicotomia. De um lado, temos a Lua em Touro (Vénus) e a Caput Draconis em Carneiro (Marte) e, do outro, temos o Sol em Escorpião (Marte) e a Cauda Draconis em Balança (Vénus). Sob a égide da luz e da sombra, existe pois uma força cósmica de união e separação, criando e destruindo.

  A influência do eclipse lunar de dia 28 não é das temporalmente mais longas, mas é espacialmente expressiva. Segundo o método ptolemaico, podemos fixar a influência entre um mês e nove dias e quatro meses e catorze dias, isto se considerarmos primeiro a duração do manto umbral e depois a do manto penumbral. Já a técnica que concilia a duração da escuridão do eclipse com o tempo de ascensão dos signos coloca a influência entre um dia e meio e um mês e oito dias. É significativo que duas técnicas com pressupostos diferentes tenham, neste caso, um período de influência tão aproximado. Já a influência espacial coloca o centro do eclipse ao largo do Iémen, entre a costa mais próxima da fronteira com Omã e a ilha de Socotorá (Suqutrah), um paraíso natural pertencente ao Iémen. No entanto, o eclipse tem um manto extenso que cobre o continente africano, europeu e asiático. 

  Quanto às regências espaciais antigas, temos de observar primeiramente as do signo de Touro, pois é onde se encontra a Lua. Segundo Vétio Valente (Antologia I, 2), Touro vai reger as regiões da Média (o actual noroeste do Irão, o Azerbaijão, o Curdistão Iraniano e o Tabaristão ou Mazandarão), da Cítia (Irão, mas também uma área que se estendeu da Bulgária às fronteiras da Rússia, Mongólia e China), do Chipre, da Arábia, da Pérsia e das montanhas do Cáucaso, da Samártia (junto à Média), de África, de Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), de Cartago, da Arménia, da Índia e da Germânia. Para Manílio, Touro rege Cítia, a Ásia (por causa dos Montes Tauro) e a Arábia. (Astronomica, IV, 744-817).

  De seguida, por a Caput Draconis se encontrar num signo diferente, temos de considerar as regências de Carneiro. Vétio Valente (Antologia I, 2) diz-nos que as seguintes regiões pertencem a Carneiro: a Babilónia, Elymais ou Elamais (Cuzistão, província do Irão), a Pérsia, a Palestina e as regiões circundantes, a Arménia, a Trácia, a Capadócia, Susã (cidade antiga, capital do Elão ou Susiana, hoje sudoeste do Irão), o Mar Vermelho e o Mar Negro, o Egipto e o Oceano Índico. Para Manílio, rege o Helesponto (Estreito de Dardanelos), Propontis (Mar de Mármara), a Síria, a Pérsia e o Egipto (Astronomica, IV, 744-817). Embora com menor influência, o lugar do Sol também é significativo e Valente diz-nos que Escorpião rege a Metagonitis ou Numídia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Mauritânia, a Getúlia (Norte de África, Argélia e Tunísia), a Síria, Comagena (Ásia Menor), a Capadócia, Itália, Cartago, Líbia, Amom (Jordânia), Sicília, Espanha e Roma. Já para Manílio Escorpião rege Cartago, a Líbia, o Egipto, Cirene, a Itália e a Sardenha (Astronomica IV, 777-82).

  O eclipse lunar actual pertence à série Saros 146 que se iniciou a 11 de Julho de 1843 e que terminará a 29 de Agosto de 3123. É portanto uma série recente que se estende a partir do eixo Capricórnio-Caranguejo até ao eixo Peixes-Virgem. O seu eclipse inaugural, que serve de matriz genetlíaca de sentido, ocorreu com a Lua, a Caput Draconis e Saturno em Capricórnio, o Sol e a Cauda Draconis em Caranguejo, Mercúrio e Vénus em Gémeos, Marte em Sagitário, Júpiter e Neptuno em Aquário e Úrano e Plutão em Carneiro. A conjunção da Lua e Saturno e a quadratura destes a Úrano e Plutão em Carneiro, bem como a conjunção de Júpiter e Neptuno, levou por exemplo à erupção do Monte Etna a 25 de Novembro.

  No mesmo período, destaca-se também o terramoto na ilha Terceira, nos Açores. Por outro lado, a posição de Mercúrio e Vénus favoreceu, por exemplo, a publicação das obras de Charles Dickens, Edgar Allan Poe e Ada Lovelace. Kierkegaard publicou, pouco meses após o eclipse, a obra Temor e Tremor. Os eclipses, face à sua tensão uterina de luz e sombra, tendem a provocar elementos disruptivos. O pensamento e a arte são, por excelências, vectores de transformação, pois nascem do que transcende o comum.

  A relação do eclipse inicial da série Saros 146 com o actual eclipse é particularmente significativa, sobretudo se considerarmos a quadratura entre o eixo nodal do primeiro eclipse e a posição actual dos luminares. Entre os dois temas, a par da quadratura dragontina, os trígonos do Sol e da Lua tornam-se um intenso potencial de sentido. Existe nestes dois eixos zodiacais (Capricórnio-Caranguejo e Touro-Escorpião) uma qualidade, sob os desígnios eclipsais do destino e da necessidade, que é tanto dinâmica como estruturante, conciliando o tempo e o valor. Estendido entre a vida (Touro) e a morte (Escorpião), o valor encontra o seu sentido, mas hoje, coberto pelo manto umbral, o sentido daquilo que tem valor encontra-se difuso, obscurecido pelo peso do erro, da ilusão e do engano, por esta prole que a ignorância humana criou.

  Os tempos que vivemos com guerra, com inflação e especulação, com interesses e corrupção, com populismos e extremismos, ameaçando as democracias e os cidadãos, pervertem o valor da dignidade humana. A ideia de que existem humanos de primeira e de segunda e de que existem povos e terras eleitas são uma clara ameaça a nossa civilização e ao futuro da humanidade. A sombra sobre a Lua, Júpiter e Úrano em Touro pede-nos para repensar o planeta que habitamos e diz-nos que o direito à propriedade não pode pesar mais que o direito à dignidade. O planeta não pode ser um propriedade tem de ser um lar. É preciso repensar os valores do elemento Terra. O grande trígono de Terra, entre os planetas em Touro, já indicados, Plutão em Capricórnio e Vénus em Virgem, convida-nos a essa reflexão, não apenas como exercício espiritual, mas também base de uma nova práxis.     

  Por outro lado, o facto de Saturno em Peixes, conjunto a Neptuno, ser o astro mais alto adensa a gravidade do destino sobre o momento. A concórdia conceptual e espiritual entre as ideias de tempo e de totalidade fazem de Saturno em Peixes, segundo a matriz mitológica do deus romano da agricultura, o mestre do acto de semear, esperar e colher. Caído o manto da sombra, este é o tempo das colheitas, não das trazem os frutos da terra, mas sim das cumprem a consequência da desmedida. O trígono de Saturno e Neptuno em Peixes ao Sol, a Mercúrio e Marte em Escorpião, seguindo a lição de Petosíris de que nem todos os trígonos são bons, nem todas as quadraturas são más, consubstancia a gravidade didáctica do destino enquanto disrupção causal da Providência.

  A ὕβρις representa uma quebra na justa medida das coisas, naquilo que ocorre como é suposto que aconteça. A guerra representa um corte na ordem natural das coisas, pois conduz a uma destruição que não é própria da natureza cíclica de Gaia, mas sim da natureza humana, das suas franquezas. O terrorismo é uma outra face desta desmedida, levando o mal que nos consome ao outro. No entanto, o mito da violação de Alcipe, filha de Ares, por Halirrótico, filho de Posídon, mostra o outro lado de Escorpião, ou seja, a vingança como forma de resistência e reposição da justiça (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 126). Este é o mito que está na origem do Areópago. Pela ofensa cometida, Ares mata Halirrótico. Posídon exige o julgamento e a respectiva condenação. No entanto, Ares é absolvido, pois o seu acto foi considerado legítimo. Os tempos que vivemos revelam esse fio ténue entre a vingança e a justiça, entre opressão e resistência.  

  Neste eclipse lunar, a tensão que ocorre no eixo Touro-Escorpião fundamenta o sentido profundo do actual manto umbral, fazendo deste choque entre a vida e a morte, entre criação e destruição, um elemento estruturante. Se considerarmos a relação de aspectos nos elementos Terra e Água (trígono), aqueles que fortalecem este fenómeno astrológico, observamos que, como um pentagrama imperfeito, existe um signo que não é habitado por nenhum planeta. Caranguejo, como signo da origem, torna-se agora um sinal de incompletude e isso é bastante significativo. Falta-nos hoje, por ocultação luminar, uma matriz feminina, lunar, de sentido. O mundo, a humanidade, devido às suas próprias escolhas, vive sem a Mãe Divina e, com o signo de Touro obscurecido, exaltando-se a Lua na sombra, a Terra não consegue ser Mãe.

  A grande maioria das posições e aspectos astrológicos presentes no tema do eclipse lunar já foram analisadas na reflexão do eclipse solar, todavia, é necessário destacar a posição dos maléficos e os seus movimentos futuros, pois, dentro do período de influência do eclipse lunar, Saturno iniciará, a 4 de Novembro o seu movimento directo e Marte ingressará em Sagitário a 24 do mesmo mês. A ligação entre os dois planetas passará do trígono à quadratura, agravando assim o seu carácter maléfico e a sua acção disruptiva. Os próximos meses vão indicar um desafio, um trabalho severo, para a humanidade. As nossas palavras e as nossas acções, mais do que nunca, vão determinar quem somos e para onde vamos. Estamos à beira do abismo.

  O eclipse lunar de dia 18 é o último neste ciclo nodal actual, no eixo de Touro-Escorpião. Passaremos definitivamente para o eixo Carneiro-Balança, deixando o sentido de valor para encontrar-se o sentido de identidade. No entanto, até à primeira época de eclipses de 2024, os eclipses no eixo Touro-Escorpião ainda estarão presentes, perdendo progressivamente a sua influência. O actual eclipse pela sua área geográfica de influência e pelas significações que o tema astrológico introduz vai, por força do destino e da necessidade, mas também pelo efeito da desmedida, trará desastres naturais e humanos. Sem amor e sem sabedoria, a humanidade perder-se-á.  

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Eclipse Solar Anular - Lua Nova em Balança

 Reflexões Astrológicas


Eclipses


Eclipse Solar Anular 

(Lua Nova em Balança)

Lisboa, 18h59min, 14/10/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Vénus  

Termos: Saturno   

Monomoiria: Sol  

                                           

 

  O Eclipse Solar Anular de 14 de Outubro ocorre no signo de Balança, com Carneiro a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) da Lua, com os luminares abaixo do horizonte, na VII, junto ao Poente (δύσις), e cerca de cinco minutos após o ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Vénus, termos de Saturno e na monomoiria do Sol. O sentido de sombra e ocultação ganha assim um valor reforçado. O eclipse e o poente partilham o carácter de lugar ou momento de escuridão. A luz é ferida pela dicotomia da sua própria natureza e, sendo Saturno, o Sol da Noite - como designaram os babilónicos -, o regente de Balança, este eclipse adquire pois essa significação profunda.  

  Neste eclipse, mais do que nos últimos e talvez mais do nos próximos, o Dragão da Lua cingirá por completo a luz, o Sol, não por ser um eclipse com uma sombra extensa ou espacialmente significativa, mas sim por encerrar uma conjugação reforçada de sentidos. Por esta razão, a análise do eclipse solar de 14 de Outubro deve considerar primeiramente o valor conceptual e escatológico da luz e da sombra e, de forma paralela, o carácter simbólico deste dragão primordial. A astrologia moderna, perdendo a herança mitológica e a imagem do dragão ou serpente, preferiu as designações nodais em vez das dragontinas, todavia a sua presença original deve ser recuperada.

  No tratado gnóstico Pistis Sophia, tendo por base esta inspiração, diz-se o seguinte: Nesse momento, todavia, todos os céus vieram para o oeste, com todos os aeons e a esfera e os seus arcontes e todos os seus poderes. Todos eles correram para o oeste para a esquerda do disco do sol e do disco da lua. Mas o disco do sol era um grande dragão cuja cauda estava na sua boca e que levava consigo os sete poderes da esquerda.(IV, 136, ed C. Schmidt & V. Macdermot, 1978: 354. Leiden: E. J. Brill). O ourobóros, a serpente que circunda o Sol ou um ovo, é por excelência uma imagem tanto do sagrado feminino como da sombra eclíptica, lembremo-nos, por exemplo, do mito pelasgo da criação, de Eurínome e Ofíon. Na astrologia, o Dragão da Lua, o eixo nodal, preserva toda uma tradição de sentido, uma herança, que é particularmente fértil no que aos eclipses concerne.

  A natureza sombria do eclipse implica, no entanto, e de acordo com a sua própria natureza, um carácter maléfico. Uma leitura astrológica que teme a sombra, a destruição e a morte, tão comum na astrologia contemporânea, fica sempre aquém da realidade. Dante, na Divina Comédia, no Purgatório, diz, pela boca de Virgílio, falando para Estácio: “Tu se' ombra e ombra vedi.” (XXI, 132). De certa forma, é a nossa condição: somos sombras e vemos sombras. Foi, todavia, o amor, a amizade entre eles, que fê-lo tratar uma sombra como se fosse uma coisa sólida (Purgatório, XXI, 133-6: Ed ei surgendo: «Or puoi la quantitate / comprender de l’amor ch’a te mi scalda,/ quand’ io dismento nostra vanitate,/ trattando l’ombre come cosa salda.»). O amor possui portanto o poder de transformar a sombra, de lhe dar a forma de uma realidade interna ou externa, materializando-a, e isso acontece por uma única razão: o amor é luz e não existe sombra sem luz.  

  Na subida da montanha, o canto XX do Purgatório, anterior a este que aborda a amizade, termina com um terramoto. Os desastres naturais e, em certa medida, os desastres humanos (guerras, revoluções, assassinatos, etc.) têm uma relação íntima com os eclipses. Entre a sombra e a ruína, existe um caminho e, por vezes, é nos estilhaços, como um vestígio de vida, que a luz pode ser encontrada. A observação do tema de eclipse para cada localidade, e em especial se manto umbral a cobrir, é fundamental. Não devemos temer as previsões. Se um luminar tiver a preponderância de bons aspectos, especialmente dos benéficos, e se estiver no seu domicílio ou exaltação, os efeitos negativos serão minimizados, mas não anulados. Já se estiver no seu exílio ou queda ou junto dos maléficos, produzirá uma acção negativa aumentada. Os eclipses tendem assim a gerar mudanças, redistribuições e desastres.

  No caso específico dos desastres naturais, os eclipses são indicadores importantes. Por exemplo, as conjunções ou oposições de Marte, Júpiter ou Saturno são sinais indiscutíveis, sobretudo em certos signos ou sobre os pólos (κέντρα). Antes de avançar nesta questão, convém fixar-se a influência temporal e geográfica do eclipse de 14 de Outubro. Se utilizarmos uma técnica que me é cara, e um pouco diferente da ptolemaica, e que concilia a duração do eclipse com os tempos de ascensão, chegamos a uma influência que se estende até cerca de um ano e oito meses. Quanto a área geográfica, o eclipse ocorre ao longo do continente americano, estando o seu centro ao largo da Nicarágua e da Costa Rica. Este aspecto é interessante se pensarmos que o eclipse tem o seu lugar de maior escuridão mesmo diante de um conjunto de parques e reservas naturais. Do lado da Nicarágua, temos a Reserva Biológica Indio Maíz e, do lado da Costa Rica, o Refúgio Nacional de Vida Silvestre Barra del Colorado e o Parque Nacional Tortuguero. Se quisermos um planeta vivo no futuro, a vida selvagem precisará urgentemente de luz.

  De acordo com as regências da astrologia antiga, a influência geográfica é um pouco diferente. Segundo Valente (Antologia I, 2), as seguintes zonas estão sob a influência de Balança: a Báctria (região persa do Coração que corresponde actualmente ao Afeganistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e China), a China, a zona do Cáspio, Tebaida (região do Antigo Egipto entre Abidos e Assuão), o Oásis (Oásis de Siwa ou Siuá, no deserto da Líbia), Troglodítica (região antiga do deserto líbio, mas que se pode estender por uma área que vai até ao Mar Vermelho e ao Corno de África), a Itália, a Líbia, a Arábia, o Egipto, a Etiópia, Cartago, Esmirna (Anatólia, Turquia), os Montes Tauro (Sul da Turquia), Cilícia (Turquia) e Sinope (Norte de Turquia, junto ao Mar Negro). Manílio coloca a Itália e, em especial, a cidade de Roma sob a regência de Balança, referindo, por um lado, que Roma controla as mais variadas coisas, exaltando e precipitando as nações nos pratos da balança e, por outro lado, este é signo do imperador Augusto, que terá nascido a 23 de Setembro de 63 AEC (Astronomica V,773-77).

  O eclipse solar de 14 de Outubro insere-se na série Saros 134. Esta série iniciou-se a 22 de Junho de 1248 e terminará a 6 de Agosto de 2510. Começa portanto em Caranguejo (Lua) e finda em Leão (Sol). A relação entre luz e sombra torna-se, uma vez mais, determinante. O próximo eclipse da série será a 25 de Outubro de 2041, em Escorpião, passando-se na série de Vénus a Marte. Existe novamente aqui um jogo de polaridades que também se encontra no tema do actual eclipse: o caminho descendente em que se insere a sizígia obscurecida estende-se também de Marte em Escorpião até Vénus em Virgem. De outra forma e considerando-se apenas Balança, o actual eclipse é o segundo da série a ocorrer de forma seguida neste mesmo signo. O primeiro foi a 3 de Outubro de 2005. Os dois primeiros eclipses totais da série 134 também se deram em Balança: a 9 de Outubro de 1428 e a 20 de Outubro de 1446. No entanto, a máxima interpretativa que se deve seguir é de que o primeiro eclipse de uma série Saros e o seu tema astrológico servem de matriz para toda a série, é o seu tema genetlíaco.

  A 22 de Junho de 1248, o Sol e a Lua estavam em Caranguejo, como já foi referido, bem como Neptuno, Marte e Mercúrio em Leão, Saturno e Plutão em Escorpião, Júpiter e Caput Draconis em Sagitário, logo a Cauda está em Gémeos, Úrano em Aquário e Vénus em Touro.

  Se pensarmos que este eclipse ocorreu no início do segundo quartel do século XIII, numa época de profundas alterações políticas, socias, religiosas, espirituais e culturais, estes elementos astrológicos tornam-se mais evidentes. Temos, por exemplo, a fundação do império Mongol, do qual é preciso destacar o cerco de Bagdad e a destruição da Casa da Sabedoria, mas também a criação da Inquisição. Na data do eclipse inaugural desta série, é lançada a sétima cruzada pelo rei de França Luís IX. A tensão nesta região estende-se até hoje, até ao conflito israelo-palestiniano. Por outro lado, o rei Fernando III de Leão e Castela recupera Sevilha aos Almóadas. Já de um ponto de vista religioso, a capela gótica de Sainte-Chapelle é finalizada e consagrada com a cora de espinhos, uma relíquia concedida pelo imperador de Constantinopla Balduíno II. Uns meses mais tarde é colocada a pedra inaugural da Catedral de Colónia, depois da igreja antiga ter ardido.   

  Séneca afirma que A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem em si mesma, enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença separa os dois tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias exteriores, e o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do sábio, essa brilha com a sua própria luminosidade!” (Ep.21.2; Cartas a Lucílio, 2ª ed,, trad. J. A. Segurado e Campos, 2004: 74. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian). Ora esta é, em certa medida, a matriz de sentido da série 134 e que se assume, de forma bastante expressiva, no eclipse de solar de Outubro. Os factores de intolerância política e religiosa, construídos sob o apelo da construção de novas verdades, estenderam-se até hoje. No eclipse inaugural, a conjunção da sizígia com Neptuno em Caranguejo, de Marte e Mercúrio em Leão, de Plutão e Saturno em Escorpião, estando estes em quadratura a Úrano em Aquário, e de Júpiter e da Caput Draconis em Sagitário são, de facto, sinais da promoção de uma luz alheia como luz verdadeira. A humanidade tende a confundir-se com sombras, ignorando a luz que brilha solitária e incógnita.  

  Paralelamente, a análise do eclipse de dia 14 deve considerar, primeiramente, dois vectores que estão muito marcados e que se estabelecem, de um ponto vista astrológico e de modo radical, o caminho luminar descendente que se alonga entre Marte em Escorpião e Vénus em Virgem, entre um deus da guerra domiciliado e uma deusa do amor em queda. Este via obscurecida é mediada pela sizígia umbral em Balança e que coloca sob os seus raios negros Mercúrio e a Cauda Draconis. Ora este caminho, e tendo em mente a regência de Balança, trará problemas sérios às democracias e, em especial, aos poderes parlamentares. A situação norte-americana é um bom exemplo, todavia, a situação é bem mais ampla e para isso basta observar o galgar mediático da extrema-direita populista e o carnaval que tem promovido nos vários parlamentos europeus. Na América do Sul, encontramos também exemplos semelhantes. A forma como o populismo confiscou os media constrói-se igualmente nesta premissa.

  Por outro lado, a conjugação desta via com a oposição entre Marte em Escorpião a Júpiter e Úrano em Touro, bem como a ligação destes a Saturno e Neptuno em Peixes (trígono e sextil) e a Plutão em Capricórnio (sextil e trígono), conduzirá inevitavelmente a desastres naturais, muitos deles particularmente destrutivos. Esta interpretação astrológica não é catastrofista, é sim realista, pois os sinais são evidentes. No caso português, e tendo em conta que o tema em análise foi elaborado para Lisboa, é impossível não vislumbrar a aproximação de um grande sismo. O período que circunscreve o actual eclipse, o eclipse solar total de 2 de Agosto de 2027 e o eclipse solar anular de 26 Janeiro de 2028 é crítico, sobretudo pelo facto do manto umbral destes dois últimos passar pelo epicentro do Terramoto de 1755 e pelo paralelismo simbólico com esta série Saros. Colher estes sinais é difícil, mas não os devemos temer. Na astrologia, como na vida, nem tudo são arco-íris.

  No tema do eclipse, Plutão é o astro mais alto e o sextil deste a Marte em Escorpião, os dois regentes deste signo, adensam a sua acção. No entanto, considerando-se o futuro ingresso de Plutão em Aquário, devemos ressalvar que a actividade destrutiva de Plutão não se limitará ao signo de Capricórnio. A sua passagem por Aquário trará transformações que não acontecerão connosco de mãos dadas, inspirando incenso e entoando mantras. Plutão não actua desta forma. Lembremo-nos que é o regente moderno de Escorpião e que olha quadrangularmente para Aquário, que é regido por Saturno (convém não esquecer) e por Úrano, ou seja, existe tensão nestas duas naturezas. Por outro lado, o facto de o tema do eclipse, para a hora de Lisboa, estabelecer-se de acordo com a ordem vernal coloca Marte em Escorpião, na VIII, no lugar da Morte. Esta posição dará uma força suplementar ao Senhor da Guerra e à sua natureza primordial. Note-se também que o anterior novilúnio estabeleceu-se segundo a ordem do Thema Mundi, o que confere um carácter radical e estruturante e uma continuidade aos dois eventos astrológicos.

  Este eclipse coloca naturalmente uma sombra sobre o signo de Balança, obscurecendo o seu potencial e adensando as suas qualidades negativas. Mercúrio estará sob esta influência contrária, trazendo uma expressão disruptiva à palavra e ao conhecimento. Não existirá portanto na comunicação um palco para a concórdia, bem pelo contrário. A presença da Cauda Draconis contrai, sob a égide do destino, o peso, a gravidade, da desmedida. A humanidade cai diante dos seus próprios erros. O grande maléfico, Saturno, traz consigo e com o seu companheiro de viagem, Neptuno, as feridas da Fortuna, sempre visíveis aquando do fim de um ciclo. Em Peixes, a pressão ou libertação que a totalidade confere torna-se realidade. Carneiro começa a subida da montanha, Capricórnio com o sentido de finalidade alcança o cume e Peixes senta-se e contempla a visão do mundo. Ora a acção, a finalidade e a totalidade são algumas das etapas da nossa viagem, individual e colectiva. Saturno pede-nos uma visão desempoeirada do mundo, liberta das amarras, das feridas, das vaidades, das paixões desse nosso caminho (sextil de Saturno e Neptuno a Júpiter e Úrano). No entanto, essa visão é extremamente difícil, sobretudo na actualidade, pois Saturno pede-nos para manter os olhos abertos, contemplativos, no meio de uma tempestade de areia. Neptuno, por seu lado, continua a alertar-nos para a necessidade de uma imaginação criativa e de uma vida compassiva, integrando a fantasia no sonho e não na ilusão. Este relembra-nos também que existem humanos de primeira e humanos de segundo.

  Por entre as sombras, é preciso, porém, saber colher as bênçãos. Procurá-las e encontrá-las, mesmo que seja por entre as cinzas. Vivemos tempos de guerra, de destruição e, por necessidade, de transformação. Os perigos, mais do que à espreita, circulam à nossa frente, todavia, existem sempre bênçãos. De uma perspectiva astrológica, mas também filosófica, para cada maléfico existe um benéfico e ao lado de cada sombra existe sempre luz. Temos de observar portanto Vénus e Júpiter. A posição dos benéficos não é contudo das mais favoráveis: Vénus está em queda e Júpiter retrógrado. Mas unem-se em trígono, dizendo-nos que a necessidade tece a vida electiva do bem. Vénus encontra-se fechada em si mesma, distante do mundo. Face à acção humana, o eterno feminino recuou e a Deusa escondeu-se.

  A oposição de Vénus em Virgem a Saturno e Neptuno em Peixes revela, como ferida do tempo e do destino, o peso da retribuição, desse afastamento. Porém, o trígono de Vénus em Virgem e Júpiter em Touro a Plutão em Capricórnio traz-nos, de acordo com a ordem tempo e da providência, uma era que conjuga a vingança de Gaia com o renascimento de Gaia. A natureza encontra caminho, já o humano pode perder-se na estrada da realidade. O sextil de Vénus a Marte e de Júpiter a Saturno exemplifica, uma vez mais, essa justaposição de bem e mal, de luz e sombra. A liberdade humana não está nos acontecimentos, está sim nesta escolha.

  O eclipse solar de 14 de Outubro, no signo de Balança, vem colocar a sombra sobre a harmonia dos contrários, ocultando a luz da concórdia. Este manto umbral vai dar-nos, como síntese do tempo, a retribuição, o preço da nossa desmedida. Só caminhando pela sombra chegaremos à luz.