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segunda-feira, 6 de março de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Saturno em Peixes

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Saturno em Peixes

Lisboa, 13h35min, 07/03/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno

Termos: Vénus

Monomoiria: Júpiter  

 


  O primeiro ingresso de Saturno em Peixes ocorre com Caranguejo a marcar a hora, para o tema de Lisboa e, deste modo, na IX, no Lugar de Deus, no Lugar do Deus Sol, no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Júpiter. O ingresso dá-se assim acima do horizonte e cerca de seis horas após o nascer-do-sol. Saturno encontra-se, deste modo, favorecido por estar no seu próprio segmento (αἵρεσις) e no lugar do regente do segmento, o Sol. O estudo deste ingresso e do seu tema é essencial para a compreensão dos tempos que se avizinham. A chegada de Saturno a Peixes é o acontecimento astrológico mais importante de 2023, seguido pelo ingresso de Júpiter em Touro em Maio, criando-se, nesse momento, uma harmonia entre os planetas e os elementos Água e Terra. No tempo (Saturno) e no espaço (Júpiter), o Eterno Feminino tornar-se-á a dádiva da transformação.

  Primeiramente é necessário situar, no tempo cronológico, este ingresso de Saturno em Peixes que acontece em dois momentos. O primeiro ingresso ocorre de 7 de Março de 2023 a 25 de Maio de 2025 e o segundo, mais curto, de 1 de Setembro de 2025 a 14 de Fevereiro de 2026. Passará por três momentos em que estará retrógrado: o primeiro, de 17 de Junho a 4 de Novembro de 2023; o segundo, de 29 de Junho a 15 de Novembro de 2024; e o terceiro, de 13 de Julho a 28 de Novembro de 2025 e que inclui, como é perceptível pelos períodos anteriormente mencionados, o primeiro ingresso de Saturno em Carneiro e o retorno a Peixes. Neste dois períodos, convém também assinalar a passagem de Júpiter pelos signos de Carneiro a Caranguejo e o ingresso de Neptuno em Carneiro (primeiro de 30 de Fevereiro a 22 de Outubro de 2025 e depois a partir de 26 de Janeiro de 2026), isto para não falar do ingresso de Plutão em Aquário, a 23 de Março de 2023.

  O ingresso de Saturno, do planeta do Tempo e da Necessidade, em Peixes, no signo da totalidade, transporta consigo um sentido natural de conclusão, de término ou fim de ciclo. Segundo a ordem vernal, Peixes é o último signo e, assim sendo, a chegada de Saturno a este signo tem necessariamente a significação do fim, mas também a da repetição, da estruturação do mesmo, da criação de uma unidade de sentido, resultante da assimilação da totalidade em torno do propósito que a Necessidade estabelece. Ora essa ideia de propósito une tanto a regência de um deus do tempo como a de um deus agrícola. Esse é também o sentido do aforismo de Novalis que diz que “o fragmento é semente”, ou seja, a singularidade de um fragmento de tempo torna-se quer o potencial, quer a finalidade da proposta que ele próprio apresenta. A Necessidade é portanto uma totalidade que permeia toda e qualquer parte.

  Se a respeito de Peixes já discutimos o imperativo de refundar a sua significação (v. Reflexão Astrológica da Lua Nova de Peixes), então, no que a Saturno concerne, confirma-se o mesmo imperativo. A questão em torno da refundação do sentido não é exclusiva deste planeta, mas é neste caso mais evidente. A significação planetária, e também zodiacal, tal como a conhecemos, resulta, de um modo geral, de um modelo categórico da física aristotélica ou do eclectismo ptolemaico. Porém, existiam, na Antiguidade, outros modelos interpretativos, nomeadamente o de Platão e o do platonismo. Segundo Plotino, Saturno simbolizaria o Intelecto (Νοῦς) e Zeus, a Alma (Enéadas V, I, 4). Existia pois uma glorificação de Saturno por este não representar os poderes terrenos, mas sim o poder mais puro do pensamento.

  Klibansky, Panofsky e Saxl dizem-nos que “Saturno possuía a dupla propriedade de ser o antepassado de todos os outros deuses planetários e de ter o seu trono no céu superior. Essas duas qualidades, que devem ter estado originalmente conectadas, garantiram-lhe uma supremacia, sem qualquer contestação, no sistema neoplatónico, que se esforçou neste caso, como em outros, por reconciliar as visões platónicas com as aristotélicas. A hierarquia dos princípios metafísicos que remontava a Platão, segundo a qual o genitor tinha precedência sobre o gerado, estava ligada ao princípio aristotélico do pensamento "topológico", segundo o qual uma posição mais elevada no espaço significava maior valor metafísico.” (Saturn and Melancholy, 1979: 152-3. Nendeln/ Liechtenstein: Kraus Reprint). Esta proeminência de Saturno, a par da atribuição de Plotino, desperta uma outra questão, visto que normalmente o Intelecto é o Sol.

  Existiu uma tradição babilónica, sobretudo num período de cerca de 750 a 612 AEC, que designava Saturno como “o Sol”, Šamaš, em vez da nomenclatura astronómica mais comum (cf. van der Sluijs, M. A. & P. James, 2013, “Saturn as the Sun of Night in Ancient Near Eastern Tradition” in Aula Orientalis 31.2, 279-321). Esta designação torna Saturno o “Sol da Noite”, em oposição ao próprio Sol, o “Sol do Dia”, e pode ter a sua origem num dos elementos astrológicos radicalmente babilónico: as exaltações planetárias (as outras são o aspecto de trígono e as dodecatemoria). O lugar de exaltação do Sol, Carneiro, opõe-se ao da exaltação de Saturno, Balança. Esse eixo pode ser assim aquele que une o “Sol do Dia” e o “Sol da Noite” e a tradição deste sentido de Saturno persiste, mesmo que de forma discreta, na tradição greco-romana. Ptolomeu, por exemplo, diz que os habitantes do território entre a Mesopotâmia e a Índia chamavam à estrela de Vénus Ísis e à de Saturno Mitra Hélios (Apotelesmática II, 3).

  Por outro lado, e seguindo também uma interpretação que é quase oposta ao Saturno aristotélico, temos o Saturno feminino, algo que já abordei por diversas vezes (Fragmentos Astrológicos, 2020: 167-72; Reflexões Astrológicas 2021: Parte II, 2022: 30-1). Esta é a tradição cuja referência mais antiga pertence a Doroteu de Sídon (Carmen Astrologicum, I, 10, 18-19) e que pode ter ainda uma matriz de sentido na proeminência do númen feminino no reinado de Saturno. A astrologia precisa pois de uma metodologia interdisciplinar para melhor compreender os seus conceitos. O estudo rigoroso da mitologia pode, desta forma, contribuir para refundação desses mesmos conceitos.

  No tempo de Cronos/Saturno, a sua mãe Gaia e a sua esposa Reia eram duas deusas poderosas, que não se apresentavam com uma submissão ao paradigma androcêntrico, como a que encontramos nos deuses olímpicos. Ora esse factor está presente em Manílio quando coloca a Mãe dos Deuses (Reia/Cíbele), a par de Júpiter, como regente divino do signo de Leão (Astronomica II, 447). Se pensarmos que, do outro lado do eixo, está Saturno como regente astrológico de Aquário, encontramos então um elo de ligação com Saturno como o “Sol da Noite”.     

  Compreendemos, desta forma, que as significações não são lineares e que, ao longo dos tempos, transmitem uma prevalência interpretativa que não é, no entanto, exclusiva. Existem outros sentidos que podem e devem ser recuperados. De um ponto de vista mitológico ou astro-mitológico, encontramos ainda uma outra tradição que nos concede um elemento de passagem entre o próprio Saturno e o Saturno em Peixes. Para além do facto de Saturno ser o regente da Idade de Ouro, ele é também o rei da Ilhas dos Bem-Aventurados, ou Ilhas Abençoadas.

  Neste mito (e.g. Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias 156 e ss.; Platão, Górgias 525a e ss.), após o seu destronamento e prisão no Tártaro, Cronos/Saturno terá sido reabilitado e terá encontrado um novo trono nas Ilhas dos Bem-Aventurados que, segundo alguns, incluiriam os nossos Açores ou toda a Macaronésia. Nestas ilhas, onde se encontram os Campos Elísios, viveriam aqueles que não têm de perturbar a terra com o vigor das mãos e que vivem uma existência sem lágrimas (Píndaro, Ode Olímpia 2.55 e ss.). Este mito indica, sem grande esforço interpretativo, Saturno em Peixes, a Necessidade sobre a Totalidade.

  O tema do ingresso de Saturno em Peixes, para a hora de Lisboa, tem uma particularidade deveras interessante, pois ao fixar a hora em Caranguejo reproduz a disposição de lugares do Thema Mundi. Ora, desta forma, Saturno vai cair no lugar de Peixes, a IX, o Lugar de Deus. Esta posição torna mais significativa uma certa diminuição da malignidade de Saturno, uma vez que em Peixes está no domicílio de Júpiter, aquele mitologicamente ocupou o seu lugar, e está também fora de seu segmento de luz e num signo feminino. A condição de Saturno pode assim, se a humanidade permitir, conceder à totalidade a Necessidade, ou seja, pode conferir a dádiva da aceitação do destino, a sua interiorização. Se conhecermos o propósito, a finalidade, o sentido do todo, o caminho adquire um outro valor e transforma toda a acção.  

  Este tema, considerando-se os eixos de ascensão e culminação, apresenta uma beleza singular e uma intensa expressão do feminino que, tendo em conta os sentidos alternativos para Saturno, alcança uma proposta significativa profunda. Primeiro temos o eixo pós-plenilúnio que une a Lua em Virgem a Saturno, Mercúrio, ao Sol e a Neptuno em Peixes, estendendo esta concentração até ao Lugar da Deusa, a III, onde a Lua se encontra.   

  De seguida, temos os dois trígonos: o da Água que une o ponto que marca a Hora em Caranguejo aos planetas em Peixes e à Cauda Draconis em Escorpião, em que o Destino se torna a vida e a fé, a sabedoria; e o de Terra que, por sua vez, une a Lua em Virgem a Úrano e à Cauda Draconis em Touro e a Plutão em Capricórnio, a caminho do poente, ou seja, um triângulo que faz da Deusa, do Eterno Feminino, o espírito que se erguerá sobre as cinzas do velho mundo e a aurora de uma Nova Era. Por fim, face a estes dois trígonos, temos os seis sextis que resultam destas ligações, destas harmonias.

  Existem, no entanto, dois elementos que divergem desta unidade entre a Água e a Terra. Um diverge, convergindo, pois afirma a acção do bem sobre esta proposta de sentido. Vénus e Júpiter em Carneiro permitem que o bem, a beleza e justiça se tornem actividade. Desde que a humanidade queira, a efectivação da dádiva é uma possibilidade. Os benéficos são os astros mais altos, raiando de esperança, de luz, mas colidindo com a morte sobre o Ocaso (Plutão em Capricórnio), sobre o seu poder. A destruição é o perigo de uma actividade movida pela desmedida. No entanto, uma vez mais, será Marte em Gémeos a expressar uma pulsão de divergência disruptiva, firmada pelos raios quadrangulares aos planetas em Peixes e à Lua em Virgem. A malignidade do pensamento dual que finge querer a mudança, quando o que faz é ferir e separar, continua a ser uma ameaça real. As teias de desinformação que alimentam o ódio, a xenofobia, a misoginia, o racismo, a intolerância são o abismo do humano. Porém, a acção do bem, dos actos que promovem a igualdade, a liberdade e a fraternidade continuam a ser o outro lado da barricada (sextil de Marte em Gémeos a Vénus e Júpiter em Carneiro).

  Saturno ingressa em Peixes no momento em que, neste signo, se encontram o Sol, Mercúrio e Neptuno. Esta concentração de luz, a partir do Lugar de Deus, apresenta-se como o fogo na câmara interna, no Santo dos Santos. Desse santuário profundo, a luz e a necessidade, a palavra e o amor universal podem alcançar a humanidade, a totalidade. Se considerarmos Saturno como o Intelecto, o que não diverge da ideia estóica de Destino ou a ideia platónica de Necessidade, podemos observar então a sua acção como parte deste princípio que permeia o mundo e que tece uma harmonia, uma simpatia, entre o microcosmos e o macrocosmos. Saturno em Peixes é, em suma, a Necessidade ou o Destino na totalidade.  

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Reflexões Astrológicas 2023: Lua Nova em Peixes

  Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Peixes

Lisboa, 07h06min, 20/02/2023

 

Sol-Lua

Decanato: Saturno

Termos: Vénus

Monomoiria: Marte   

 

  A Lua Nova de Fevereiro, a última do actual ano astrológico, ocorre no signo de Peixes, com Aquário a marcar a hora para o tema de Lisboa e, deste modo, na II, no Lugar do Viver (βίος), no decanato de Saturno, nos termos de Vénus e na monomoiria de Marte. A sizígia dá-se assim abaixo do horizonte e cerca de vinte minutos antes do nascer-do-sol. A Lua encontra-se favorecida por estar no seu próprio segmento e num signo feminino, embora abaixo do horizonte, já o Sol encontra-se desfavorecido por estar fora do seu próprio segmento de luz (αἵρεσις) e abaixo do horizonte. Desta forma, a luz, à semelhança do anterior novilúnio, continua a apresentar uma qualidade submersa, oculta, embora, nesse reino sob a terra, na lua nova anterior descesse e no actual suba.

  Se seguirmos a ordem vernal, Peixes é o último signo, daí que o conceito de totalidade seja aquele que melhor o define. Esta definição está também de acordo com a ordem do Thema Mundi que, com Caranguejo a marcar a hora, o coloca na IX, no Lugar de Deus, do deus Sol. Se pensarmos que, segundo o Thema Mundi, a III e a IX têm uma natureza de templo do feminino e do masculino, do Sol e da Lua, do divino, então torna-se compreensível como esta ideia de totalidade se integra, fundando o seu sentido, no signo de Peixes. Por outro lado, no que às dignidades concerne, Peixes é o único signo em que o domicílio e a exaltação estão entregues aos benéficos (domicílio de Júpiter e exaltação de Vénus). A dádiva do bem adquire assim a mesma ideia de totalidade. Júpiter estabiliza o bem para que Vénus o eleve no amor divino.

  Uma das grandes falácias da astrologia contemporânea é uma colagem quase absurda dos signos às casas (ou lugares, na terminologia antiga). Na Antiguidade, que é o período que me é caro, essa tentativa de simplificação não existe. Os círculos astrológicos de sentido são estruturas dinâmicas, daí que Peixes não seja a XII, tal como Carneiro não é a I e assim sucessivamente. Esta tentativa de unidade significativa resulta, a meu ver, do facto da astrológica moderna tentar simplificar os conceitos face à astrologia tradicional, considerada por muitos astrólogos como densa e com muitos conceitos e variantes. Com esta unidade de sentido, surgem, porém, interpretações bizarras e que alimentaram muitos livros e cursos, como por exemplo “Sol em Carneiro ou na I quer dizer isto ou aquilo” ou a “Lua em Touro ou na II quer dizer isto ou aquilo” e assim por diante. Estas interpretações contrariam, por completo, o sistema tópico de lugares ou casas, criado pela astrologia antiga de matriz hermética, em Alexandria, por volta do século I AEC.

  Ora este abuso interpretativo condicionou também o sentido atribuído aos transaturninos e, por consequência, aos signos por eles regidos, o que conduziu, directa ou indirectamente, a outra bizarria, à análise pessoal de um planeta colectivo. O uso destes três planetas na interpretação mundana ou naquela que relacione o indivíduo à sua realidade social e geracional é aceitável e compreensível, mas torná-los simplisticamente planetas pessoais é um erro grosseiro. Plutão, por exemplo, numa vida humana, não avançará muito além dos seis ou sete signos, o que limita o seu sentido pessoal.

  No entanto, não digo que se rejeite a sua utilização, porque é uma escolha, digo sim que os conceitos devem ser coerentes. Esta simplificação não serve a astrologia, serve a mercantilização de cursos que tornam o ensino de um saber milenar uma extensão de um instituto de formação profissional, onde a astrologia, em Portugal, não sequer é reconhecida como área de estudo. O esforço que exige estudar a história, as referências e as variáveis de sentido é substituído por uma cartilha de diapositivos repleta de lugares-comuns. O ensino da astrologia, pela sua própria natureza, tem de ser um caminho para a sabedoria, daí que a astrologia do hoje e do amanhã precise desesperadamente das humanidades e das suas metodologias. A história da astrologia tem recuperado, de forma séria e académica, a dignidade da astrologia e refundado um caminho para uma nova prática.

  Este preâmbulo serve para reafirmar que o sentido dos signos não pode, de um modo fixo e descontextualizado, estar vinculado às casas. Desta forma, um novilúnio em Peixes, como o actual, vai-nos trazer, exacerbando, essa harmonia de sentido entre o domicílio de Júpiter e a exaltação Vénus, e não os sentidos atribuídos à décima segunda casa. Na verdade, é a exaltação de Vénus, que acontece nesta Lua Nova, embora não no grau exacto (27º), que melhor descreve o signo Peixes. De um ponto de vista mitológico, a constelação de Peixes representa primordialmente os Ikhthyokentauroi, os dois peixes que trouxeram Afrodite para a costa (cf. Rodolfo Miguel de Figueiredo, 2021, Fragmentos Astrológicos: 155-6). Este mito recupera a Afrodite cipriota, uma Grande Deusa, e não a deusa olímpica, limitada e reduzida a uma versão erótica e lúbrica. Afrodite é uma deusa das origens, uma expressão do eterno feminino. A exaltação de Vénus, no fim do Zodíaco, celebra um tempo novo, a era do Espírito Santo, do Sagrado Feminino. A pomba da deusa ergue-se no fim do tempo.

  O novilúnio de Fevereiro traz, deste modo, essa ponte entre a humanidade e a totalidade, entre Aquário e Peixes. No entanto, a totalidade proposta surge sob a forma de contemplação, de integração na luz. Manílio, na Astronomica:, diz-nos: “sacrificado é o humano, para que deus nele possa existir” (Astronomica IV, 407, Goold 1985: 94: impendendus homo est, deus esse ut possit in ipso). A humanidade só alcançará essa proposta de totalidade se encontrar uma forma de sacrifício, de despojamento e liberdade. Aquele que recebe, que se entrega, cria, só assim o ciclo se renovará, renascendo do fim a origem. É o desapego da totalidade, da imersão na luz, que permite um novo ciclo, ou seja, a acção promovida por Carneiro nasce desta totalidade contemplativa.

  Na Hermetica de Estobeu, encontramos um sentido para a dissolução do humano na totalidade. O texto afirma o seguinte: A decadência segue todo o nascimento, para que se possa nascer de novo. Isto porque aquilo que nasce surge daquilo que é decadente. O que nasce deve decair, para que o nascimento das entidades não pare. Para o nascimento dos seres, a decadência é o primeiro artesão.” (SH 2A16). E, logo a seguir, conserva uma verdadeira pérola de sabedoria quando diz: “O humano é a aparência da humanidade” (SH 2A1, Litwa, M. D., Hermetica II -The Excerpts of Stobaeus, Papyrus, and Ancient Testimonies in an English Translation with Notes and Introduction. Cambridge, 2018: Cambridge University Press, 34). A aceitação da decadência é uma visão da totalidade e o modo como o humano se sacrifica nessa totalidade define a própria humanidade.

  Com o novilúnio a fixar-se na II, isto para o tema de Lisboa, o valor do viver refunda-se na luz da totalidade. Trasilo diz que o segundo lugar é um “indicador de esperanças”, ἐλπίδων σημαντικήν (CCAG VIII/3: 101.20). A promessa do fim surge pois como uma esperança de renascimento. Existe uma refundação do tempo cíclico, de eterno retorno, na unidade do instante, na simplicidade do agora. A união entre os luminares e Vénus e Neptuno potencia a união da luz ao princípio do amor, do amor universal, aquele que permeia o mundo e une, no divino, todas as criaturas. A luz da solidariedade imite raios de esperança. A humanidade só se perderá se se afastar desses raios, pois a empatia, o amor ao próximo tem a capacidade extraordinária de transformar o humano.  

  Essa concentração do valor do amor na mensagem da sizígia (luminares, Vénus e Neptuno) espalha-se benevolamente para a Úrano em Touro e Plutão em Capricórnio, que dão a estrutura da vontade a essa mensagem, mas também ao Dragão da Lua que reúne, neste sentido, o valor axial da vida e da morte. O grande obstáculo continua a ser a Marte em Gémeos que se une quadrangularmente à sizígia. No tema, Marte é o planeta mais ocidental e que escapa à identidade, ao leme do sentido proposto. O planeta do deus da guerra é um aqui um outro, não um que se possa conhecer, mas um estranho. Marte, face ao sentido da sizígia, fende a realidade, cria separação e discórdia. No entanto, por se unir em trígono a Mercúrio e a Saturno em Aquário e em sextil a Júpiter em Carneiro, existem elos de possibilidade, ou seja, entre a desarmonia e a dissonância podem ser criados elementos de concórdia, sobretudo se não se perder o leme de sentido desta sizígia, a luz que emana da totalidade, trazendo solidariedade ao mundo.

  De um outro ponto de vista, o caminho da luz é, no interior do signo de Peixes, uma via ascendente que se inicia em Vénus, uma Estrela da Tarde, passa por Neptuno até alcançar, na dianteira, os luminares. Este caminho, como já o referimos, contém em si a esperança da luz, da sua transformação. Se considerarmos, todavia, um caminho mais extenso, então esta via ascendente, embora submersa, pode se iniciar tanto em Úrano em Touro como em Júpiter em Carneiro e expandir-se até Saturno em Aquário, fazendo deste o timoneiro desta barca luminar. Ora Saturno conserva aqui um sentido profundo, pois até ao próximo novilúnio Saturno transitará de Aquário para Peixes.  

  Com o senhor da Necessidade na dianteira, a sua mensagem reafirma-se, até porque se encontra em conjunção a Mercúrio e em sextil a Júpiter. A razão e a acção do destino, a força dos ditames da Providência, colhem, com a foice da realidade, o sentido de totalidade. É como diz Epicteto: “Pois isto é teu: interpretar belamente o papel que te é dado – mas escolhê-lo, cabe a outro” (Encheiridion 17, trad. A. Dinucci & A. Julien, 2014: 46. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra). Somos actores no teatro do real e é o destino ou a necessidade o verdadeiro autor do texto interpretado. Contudo, o poder da palavra pode trazer consigo a luz ou a sombra, o bem ou mal (sextil de Mercúrio e Júpiter). A qualidade da nossa representação depende pois apenas de nós.  

  Convém também referir-se que Plutão é o astro mais alto, revelando como o Senhor do Hades reina sobre a realidade, impondo o poder da morte e a efemeridade da vida. A quadratura entre Júpiter em Carneiro e Plutão em Capricórnio coloca em tensão a acção do bem sobre o poder da morte. Algo que está sintonia com a quadratura de Saturno em Aquário ao Dragão da Lua no eixo Touro-Escorpião, ou seja, o destino da humanidade a colidir com o valor da vida e da morte. O devastador sismo na Turquia e na Síria, que estava infelizmente previsto no eclipse lunar de 8 de Novembro, coloca na clepsidra do humano a escolha do bem e será sobre a humanidade que se criará a solidariedade e a compaixão, pois é essa a proposta de sentido do novilúnio de Peixes

  Entre a Lua Nova em Peixes e a Lua Nova em Carneiro, Mercúrio avançará de Aquário para Carneiro, Vénus de Peixes para Touro, Júpiter manter-se-á em Carneiro e Saturno chegará a Peixes. Já os transaturninos vão permanecer também nos seus signos: Úrano em Touro, Neptuno em Peixes e Plutão em Capricórnio. No período que medeia as duas luas novas, não existirá nenhuma retrogradação planetária, o que promove a acção dos planetas e os seus efeitos.

  Em suma, a actual Lua Nova exorta a totalidade e clama por uma luz que reúne, no amor universal, a dádiva do Eterno Feminino.   

quarta-feira, 2 de março de 2022

Reflexões Astrológicas 2022: Lua Nova em Peixes

 Reflexões Astrológicas


Lunações


Lua Nova em Peixes


Lisboa, 17h35min, 02/03/2022

 

Sol-Lua

Decanato: Júpiter

Termos: Júpiter

Monomoiria: Lua

 


            A Lua Nova de Março, a última do actual ano astrológico, ocorre no signo de Peixes, com Virgem a marcar a hora, no Segmento de Luz (αἵρεσις) do Sol, com os luminares acima do horizonte, mas perto do Ponto Poente (VII) e a menos de uma hora do ocaso (hora de Lisboa), no decanato de Júpiter, nos termos de Júpiter e na monomoiria da Lua. O tema deste novilúnio, tal como referimos na Lua Nova de Fevereiro, é um espelho da anterior. No mês passado, a luz subia em fila na aurora com Marte na dianteira, mas agora afunda-se no ocaso com Vénus na vanguarda da viagem ao submundo, e tanto numa como na outra apenas Úrano escapa à formação linear.

            No último signo zodiacal, onde a individualidade se desagrega na totalidade, na imensidão do Indeterminado, o caminho da luz será agora uma candeia que alumiará a Noite Escura da Alma. No mito sumério da descida de Inana ao submundo, diz-se a certa altura no texto cuneiforme: “Ela tomou os sete poderes. Ela reuniu os poderes divinos e tomou-os na sua mão. Com os bons poderes divinos, ela seguiu o seu caminho.(linhas 14-16, Cuneiform Digital Library Initiative, University of California at Los Angeles). Este é o sentido do caminho astrológico liderado por Vénus neste novilúnio. É a catábase do Divino Feminino. E, na aurora dos tempos futuros, a Pomba da Grande Mãe, do Espírito Santo, renascerá e trará a luz ao mundo.

            Os luminares que aqui caminham para a sua ocultação deixam no céu e na alma a luz do fim, do crepúsculo anunciado. É a morte do visível, do exterior que tanto lutou para se afirmar. A anulação de si exige esforço. A imersão na totalidade obriga à morte do eu, pois estar todo em si é uma forma de unidade mística que traz a origem ao fim e o fim à origem. Para se acolher a luz do todo, é necessário um esvaziamento do eu. Ora a luz do ocaso une-se aqui, e ainda sob os raios abrasivos do Sol, à luz conjunta de Júpiter e Neptuno. A mística do consenso surge da união dos luminares, de Júpiter e de Neptuno no signo de Peixes, todavia, neste novilúnio, os raios poentes do Sol ainda são abrasivos podendo queimar a tão necessária potencialidade do Bem e da Justiça (Júpiter) e da Solidariedade e da Compaixão (Neptuno).  

            A relação entre Júpiter e Neptuno em Peixes e a luz da totalidade inicia nesta sizígia um caminho de revelação que se acentuará, primeiro, quando Júpiter entrar no Coração do Sol a 4 de Março, depois, quando Neptuno passar também o pórtico electivo desse Coração a 12 de Março e, por fim, quando Júpiter e Neptuno se unirem em co-presença no mesmo grau no dia 12 de Abril. Se, por um lado, esta é uma via de iniciação difícil de trilhar, pois a visão do alto da montanha obriga a deixar para trás todas as vaidades, por outro lado, essa visão da montanha pode trazer consigo um efeito de Cassandra, em que a profecia é revelação, mas a voz do profeta na vibra no marasmo e superficialidade em que a maioria caiu. A sabedoria alcançada torna-se então a voz do silêncio. Porém, o aprendiz, agora adepto, não está só, pois, para além do véu de Ísis, a Senhora surge diante si.

            A luz da sizígia, como caminho do meio, lança hexagonalmente os seus raios tanto para à frente, para Vénus, Marte e Plutão, como para trás, para Úrano e para a Caput Draconis. Na proa dessa barca fulgente, Vénus cinge em Capricórnio o poder do amor e o amor pelo poder. A deusa leva a luz a uma terra sem retorno e, acompanhada pela Força (Marte) e pela Morte (Plutão), desce até origem, à fundação da realidade, passando por todos os perigos. Este é o momento em que, quando Zeus luta com Tífon e todos os deuses fugiram, é a Cabra-Pan (Αἰγίπαν) que enfrenta o monstro e recupera os tendões de Zeus, permitindo assim a sua vitória (Figueiredo, R.M. de, 2021, Fragmentos Astrológicos, 151-2). Sob o véu de destruição, sugerido aqui pela conjunção de Marte e de Plutão, Vénus é também Perséfone e, como senhora do submundo, é a guerreira que vence a sombra, que depois do Inverno se torna Primavera.

            Se, por um lado, Vénus avança, neste novilúnio, pelo submundo, preparando-se para renascer, para alcançar a sua exaltação quando alcançar o grau 27 de Peixes a 30 de Abril, por outro lado, a união de Úrano em Touro, Neptuno em Peixes e Plutão em Capricórnio (sextis e trígono) define algo que já referimos de uma outra forma e que Dane Rudhyar designa da seguinte forma: Se Úrano e Neptuno não são bem-sucedidos a iniciar o processo de transformação, Plutão pode ser verdadeiramente cruel e implacável. Se, por outro lado, as forças de Úrano e de Neptuno realizam seu trabalho transformador e o indivíduo aceita a mensagem de ambos, preparando-se para a "descida ao inferno" final — a Noite Escura da Alma —, poderá encontrar, com calma e força, o processo plutoniano de total desnudamento e o vácuo consequente.” (1991, A Dimensão Galática da Astrologia: 66). Ora, por exemplo, a situação na Ucrânia e a ameaça de guerra global dão forma exterior a algo que não foi conseguido interiormente. Uma coisa é certa a humanidade está à prova e o humano, perdendo-se, continua focado no que é supérfluo, na soma das suas vaidades.            

            Na cauda do feixe de luz deste novilúnio, encontramos Úrano em Touro junto ao Ponto de Culminação (MC) e à Caput Draconis. A Natureza habita o Lugar de Deus (IX), tornando evidente a imanência divina. Úrano, embora cadente, é o astro mais alto e, estando junto ao Ponto de Culminação na IX – o que decorre do sistema de casas escolhido, o mais antigo dos sistemas, o de casa-signo ou signo inteiro –, a efectivação da potencialidade de Úrano e do Dragão do Lua torna-se mais forte. Esta condição sai fortalecida pelo facto de Úrano e a Caput se unirem hexagonalmente ao Sol, à Lua, a Júpiter e a Neptuno e triangularmente a Vénus, a Marte e Plutão. A catabáse da Deusa e a entrada da luz no submundo nascem no Lugar de Deus, com a Natureza no trono divino. Esse é um sinal dos tempos, uma revelação há muito anunciada.

            Úrano em Touro, trazendo consigo o choque do movimento com a imobilidade, transmite-nos uma mensagem lapidar: a natureza encontra sempre caminho. Lembremo-nos, por exemplo, dos veados que descem à cidade aquando dos confinamentos. O problema essencial da natureza é o humano e estamos muito enganados se acreditarmos que somos os mais fortes. A humanidade corre, mais do nunca, o risco de extinção e pode não ser no agora, mas o futuro já está à espreita. Nós, face à natureza, tornámo-nos a sombra no abismo, daí que o Dragão da Lua, fiel guardião da luz e da sombra, se estenda entre a morte (Escorpião) e o viver (Touro). 

            Neste novilúnio, Mercúrio e Saturno em Aquário, presos entre a potencialidade e a acção, entre a imersão na totalidade (Peixes) e o poder do fim (Capricórnio), lançam quadrangularmente, a partir do Lugar da Má Fortuna (κάκη τύχη), da VI, até Úrano e à Caput Draconis a hostilidade que o humano em remissão pode levar à humanidade. Este é o tempo dos novos fascismos, dos novos totalitarismos, da propaganda concertada, digital e superficial. A palavra aproveita-se da ignorância, do carácter líquido dos nossos tempos. Face ao poder da Necessidade, a liberdade esfuma-se, dispersa-se no imediatismo da realidade que criámos. Saturno em Aquário é a colheita daquilo que o humano semeou e daquilo que a humanidade não quis plantar. O agora é sempre a lição do Tempo e da Necessidade.

            Nesta Lua Nova em Peixes, com a proposta de sentido da deusa a descer ao submundo, a bênção da deusa Pistis-Sophia, da Fé e da Sabedoria, determinará a existência ou a ausência do fogo do Intelecto de um Carneiro renascido ou repetido.